domingo, 1 de maio de 2011

Fórmula 1


É um cartão com a imagem da Torre Eiffel, linda como sempre, mas com um céu um tanto quanto artificial. Mostra a beleza da torre iluminada num contexto Parisiense bem singelamente retratado. 

Ele é um homem, brasileiro, 28 anos, solteiro. Juntou dinheiro nos últimos anos para fazer uma viagem. Vem programando esta viagem à França com duas amigas há uns dois anos. Um mês antes da data marcada para a viagem, conheceu uma menina especial. Na semana seguinte, começaram um affair. Passaram as três semanas seguintes juntos o tempo todo, numa empolgação típica de inícios. Quando qualquer olhar é novidade, qualquer agradinho emociona. Quando os defeitos não fazem a menor diferença. Eles tentaram ao máximo ignorar o fato de que ele iria passar quase dois meses fora. Por mais que tudo estivesse lindo, era tudo muito recente. Vai agüentar esse tempo longe? É ela quem vai receber este cartão postal. Saindo do Brasil, ele prometeu dar notícias. A grana pra viagem é curta. Ele pagou 0,333 centavos de euro pelo cartão (três por um euro) numa lojinha de souvenirs em Montmartre. Escreveu dizendo que está tudo bem: que Paris é sim muito linda, mas que não é a mesma coisa sem ela lá. Escreve também prometendo levá-la aos lugares lindos por onde está passando. Diz ter saudades e manda um beijo.

Sabe, o cartão foi escrito a noite, na cama do hostel, enquanto as meninas tagarelavam ao lado. Acho que elas nem me viram escrever. Falar do que elas acharam dos franceses e dos outros rapazes ali hospedados era mais interessante. Concordei em viajar com duas mulheres sabendo do risco que corria, do tipo de conversa que ia escutar. Olhei pro cartão e imaginei o tanto que você fazia falta. No dia seguinte, fomos andar por Saint German des Prés. Levei o postal para tentar enviar sem que elas vissem. Sabia de chateação que seria se elas me pegassem com esse cartão na mão. O resto da viagem ia ser papinhos de que fiquei quieto o tempo todo por sua causa, iam inventar historinhas chatas e outras coisas assim... intimidade é foda!  Aquele dia foi difícil, não consegui parar em nenhum correio pra enviar. O dia seguinte foi o dia de ir a Versalhes, programa que também consome um dia inteiro lá dentro, sem correios. Nos dias seguintes foi a mesma coisa: museus, parques, jazz, vinho e nada de parar no correio. Cada vez que via um por perto, deixava pra mandar no próximo. Foi por isso que eu acabei escrevendo vários cartões. E as meninas não me viram escrever nenhum! Elas estavam ao meu lado todo o tempo e não viram nada. Mas isso não durou muito. Uma noite, uma delas me pediu minha tesoura, que estava na mala. Eu já tinha deitado, deu preguiça de levantar. Falei onde tava e disse pra ela mesma ir lá pegar. Só que no mesmo bolso, antes da tesoura, estavam os postais. Já eram seis, todos escritos. Ela, lógico, me perguntou o que era aquilo. Quando eu, timidamente, expliquei, tive de agüentar um jantar inteiro sendo perturbado pelas duas. Tínhamos convidado um casal de suíços que conhecemos por lá para jantar com a gente. Coitados... As duas engataram uma serie de brincadeirinhas constrangedoras em português. Eles não entendiam nada, elas não paravam de rir e eu de ficar sem graça. Acabei de comer, levantei, dei boa noite para o casal e fui dormir sem falar nada com elas. Nem sei como elas contornaram aquela situação, que acabou sendo um pouco chata. Ou não contornaram, pois tive a impressão que o casal de amigos em potencial passou o resto do tempo que estivemos hospedados no mesmo lugar fugindo da gente. O temido dia seguinte foi o que tínhamos combinado de ir a Champs-Élysées. Cada loja que elas paravam era uma novela. Respirei fundo e fui. Enquanto andávamos, elas começaram a apontar cada correio que viam. Perguntaram se os milhares de postais surrados estavam ali comigo. Sim, estavam. Elas quase que me empurravam para entrar em um correio, quando falei pra me deixarem quieto, que na hora que eu quisesse, se eu quisesse, mandava os cartões. Falei e me arrependi. Não dá pra agüentar pessoas querendo mandar nas minhas coisas, mas também não dá pra ser grosseiro assim. Pedi desculpas e propus da gente sentar num café, pedir uma Leffe e conversar um pouco. Só então contei de você direito pra elas. Do seu sorriso, dos seus pezinhos, do cafuné. De como a gente tinha se dado bem e do bem que você estava fazendo pra mim. De como tava doído ir pra longe logo no começinho. Cinco Leffes depois, já soltinho, falei pra elas da dificuldade de saber se posso ou não apostar em você. Da vontade que eu tava de aproveitar a viagem, de conhecer outras pessoas, mas que era inevitável comparar com você todas as meninas que eu conhecia. E você ganhava todas. Minhas amigas quase choraram. Entenderam e pediram desculpas. Dali pra frente o clima da viagem mudou: eu virei o “apaixonado”. O cara dos mil postais. Ate que um dia, sem programar muito e sem fazer mais muito drama, acordei mais cedo, tomei café-da-manhã e fui te mandar aqueles postais. Não mil, mas uns oito.


janeiro de 2010






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